Poeta, romancista e ensaista
O lançamento, (…) na Praia, do seu oitavo livro, A Sexagésima Sétima Curvatura, deu o mote à conversa com Oswaldo Osório. O poeta, já completamente cego, além de falar sobre o seu novo livro, tece considerações sobre vários temas e literatos cabo-verdianos, sem se esquivar de se referir ao convívio diário com a cegueira.
Entrevista conduzida por António Monteiro
António Monteiro (A.M.) – Vai lançar na quarta-feira o seu livro de poemas, A Sexagésima Sétima Curvatura. Porquê o numérico título?
Oswaldo Osório (O.Osório) – Este título tem a ver com os anos que eu tenho de vida. Agora já estou com 70 anos, mas o livro até ser publicado levou três anos. E é isso.
Só isso?
O.Osório – Só isso, mas evidentemente com os conteúdos que ficam para traz, as experiências, os amores, os aborrecimentos, enfim, tudo o que de existencial passa pela vida de um homem.
A.M. – Já publicou oito obras. Por quais dos seus livros gostaria de ser recordado?
O.Osório – Gosto de Caboverdianamadamente construção meu amor (poesia), Claridade Assombrada (poesia), e Os loucos poemas de amor, e outras estações inacabadas.
A.M. – Já o título do seu primeiro livro de poemas publicado, Caboverdianamadamente construção meu amor aponta para um discurso diferente dentro da poesia que então se escrevia. Sentiu essa diferença?
O.Osório – Sim, é muito provável, mas não tenho assim uma ideia clara sobre isso. Nessa altura, eu, o Arménio Vieira, o Mário Fonseca e os outros rapazes que participaram na Seló, já tínhamos um discurso poético já diferente.
A.M. – Que grandes poetas produziu esse movimento literário?
O.Osório – O Rolando Vera-Cruz Martins, embora não tenha livro publicado. Sei que ele tem trabalho, mas por razões pessoais, até agora ele não publicou um livro de poemas. Mas eu dizia: o Rolando Vera-Cruz Martins, o Arménio Viera e o Mário Fonseca…
A.M. – E o Jorge Miranda Alfama?
O.Osório – Evidentemente, mas ele é mais prosador. Ele esporadicamente escreveu um ou outro poema, não obstante ter começado pela poesia. Depois, penso eu, ele terá optado pela prosa. Aliás, é interessante dizer que ele tem uma técnica muito especial de escrever pequenos apontamentos críticos sobre livros que ele lê. De resto, estão reunidos no seu livro, Isto e Aquilo.
A.M. – Como vai a sua visão?
O.Osório – Não sei se sabe, mas estou completamente cego; eu sempre convivi com a cegueira, é um problema de família. Meu pai, minha mãe, tios, primos todos conheceram este problema.
No meu caso pessoal, só me dei conta desta situação nos anos 60. Fiz tratamentos, mas de repente a perda de visão teve uma evolução pela negativa. Fui a Portugal em 1998; tivesse ido um pouco mais cedo, poderia ainda ter sido operado. Então, em Março de 2004, fiquei cego.
A.M. – Com a cegueira como é que resolve os problemas da escrita e da leitura?
O.Osório – Graças a Deus, sou casado com uma grande mulher: é minha secretária. Lê para mim, eu dito e ela escreve. Não é a mesma coisa, mas não sinto que esteja a carregar um grande peso. Graças a Deus tenho essa força.
A.M. – O seu livro é a primeira publicação da Dada Editora, criada por sugestão sua. Como surgiu a ideia?
O.Osório – Eu sempre sonhei ser editor ou então livreiro. No passado não foi possível realizar este sonho, mas das conversas que tenho tido com o meu filho (Giordano Custódio), um dia veio à tona a ideia da criação de uma editora. A ideia é avançar na edição de várias obras que estão esquecidas, ou de pequenos ensaios que não foram jamais reeditados. Ele achou interessante a ideia, agarrou-a e assim surgiu a Dada Editora.
A.M. – No lançamento, Giordano Custódio disse que a “Dada” iria ser uma editora diferente. Em que sentido?
O.Osório – Diferente porque, segundo o ponto de vista do Giordano, se trata de uma editora de afectos. A começar, porque projectamos publicar os trabalhos ensaísticos do Jaime de Figueiredo. Muita gente não conhece os textos que ele deixou, por exemplo, uma peça de teatro cujo título é Terra de Saudade – argumento de bailado folclórico em quatro quadros; projectamos a reedição do seu ensaio sobre a música, “O sentido da Morna e da Coladeira”. Há também o ensaio de Luís Romano muito pouco divulgado em Cabo Verde que é, “Cabo Verde, elo antropológico entre a África e o Brasil”.
A.M. – Arménio Vieira contou-me que Jaime de Figueiredo terá deixado por publicar um romance intitulado O Pavão de Lata. O que há nisso?
O.Osório – O Jaime de Figueiredo tinha essas coisas. Nunca escreveu nenhum romance. Ele dizia a todo o mundo que ele tinha escrito um conjunto de textos a que tinha dado o nome de Pavão de Lata. A verdade é que depois da morte dele, foi-se ao espólio e encontrou-se ensaios por publicar e outros trabalhos, mas não se encontrou o Pavão de Lata, porque nunca existiu. Eu próprio, um dia perguntei-lhe sobre o Pavão de Lata e ele respondeu… “um dia se verá”.
Arménio Vieira visto por Osório
A.M. – Pertenceu à mesma geração literária que Arménio Vieira. Como o caracteriza?
O.Osório – Falar do meu companheiro de luta, compadre e amigo, em duas linhas, é bastante difícil. Ele é um indivíduo bastante voltado para dentro, só se abre de facto com um grupo restrito de pessoas que lhe são mais próximas, porque fora disso é impossível. Não vai a palestras, não vai a conferências, não vai a exposições, mas é um indivíduo com muita cultura, com muito conhecimento do universo que o rodeia, mas só se comunica com o conjunto de pessoas que lhe são muito próximas. Isso dá uma ideia de como ele se fechou, não sei a razão porquê, mas que se transborda na poesia que ele escreve.
A.M. – O Arménio contou-me que uma vez foi atacado por um carneiro e passou por maus momentos. O que há nisso?
O.Osório – Eles empolaram a história. Eu estava sentado aí defronte à Dona Ivone, uma senhora que tem uma mercearia no bairro Craveiro Lopes, e um carneiro de um amigo meu, já falecido, vinha assim devagar e encostou-se perto de mim. Depois vi que batia com uma pata no chão eu disse, “bon, e´ sta ben inbia-m”. Eu estava sentado, não tinha tempo para me levantar, mas pôs-me em posição; devia ser um carneiro dos seus 60 quilos, mais ou menos. Quando ele se atirou a mim, peguei-lhe pelos chifres, aguentei-o e arremessei-o para a frente. Aí foi, não voltou mais. Andou, andou, foi comer umas folhinhas que estavam pelo chão. Depois escondeu-se detrás de uma árvore frondosa que há em frente à Dona Ivone e eu deixei de o ver. Mas ficava no alinhamento do lugar onde eu estava assentado. Então levantei-me, entrei pela porta de uma vizinha e fui ao portão, ficando a espreitá-lo. Quando ele viu que eu tinha desaparecido, o diabo subiu-lhe aos chifres. Então ele resolveu atirar-se às crianças que iam à escola e foi necessário chamar os donos para evitar o pior. Foi o que se passou, mas depois criou-se uma série de lendas à volta disso.
Terceiro número da Seló ficou no prelo
A.M. – O que representou o movimento literário Seló, a que pertenceu, para a literatura caboverdiana?
O.Osório – Seló representou para a época uma importante contribuição dos jovens que na altura tinham 20 a 24 anos para ultrapassar o marasmo que se vivia tanto em S.Vicente como na Praia. Se reparar, as pessoas que pertenceram à Seló, eram de S. Vicente e da Praia. Isso já demonstra que estas ilhas foram sempre uma coisa só, sempre unas; a pensar a mesma coisa; a pensar a independência. Mas tudo aquilo que nós dissemos na Seló (digo na Seló porque era uma página) tinha de ser dito de uma forma metafórica. Não se podia dizer expressamente porque havia a PIDE (antiga polícia política portuguesa). Mas falámos sobre a emigração, sobre a fome, etc. Era para sair três números e só saíram dois, porque o terceiro ficou no prelo; não o deixaram sair.